A dor na coluna vertebral (também conhecida como dor nas costas ou dorsalgia, ou lombalgia, ou cervicalgia) é uma das queixas de frequente procura por assistência médica, em pronto-atendimentos ou consultórios médicos, e causa frequente de incapacidade para atividades rotineiras, para o trabalho ou para os estudos. Os custos relacionados à incapacidade, ao uso dos serviços médicos e aos tratamentos empregados são grandes, principalmente quando envolvem cirurgias ou estão associados a déficits neurológicos (primários ou secundários ao tratamento). Quando o quadro se cronifica, acrescenta-se o aspecto psicológico do sofrimento (depressão e/ou ansiedade) e somam-se complicações de saúde relacionadas à imobilidade (infecções do trato respiratório, atrofia muscular e ligamentar, eventos tromboembólicos).
A dor na coluna vertebral tem várias causas, como tumores, infecções, doenças inflamatórias (artrites), traumatismos (de grande ou pequena energia), deformidades (escoliose, cifose) e o próprio envelhecimento. A completa investigação deste quadro inclui a correta identificação da causa através de detalhada avaliação clínica, conhecimento do histórico de saúde do paciente, exame físico minucioso, e exames subsidiários (raio-x, tomografia computadorizada, ressonância magnética, densitometria óssea, cintilografia).
O tratamento da dor nas costas envolve medidas físicas (repouso temporário, fisioterapia), medidas farmacológicas (medicações analgésicas), e intervenções cirúrgicas (infiltrações, bloqueios, denervações químicas ou por radiofrequência, estabilização com implantes). Cada tratamento deve ser prescrito de forma individualizada, levando-se em conta todos os detalhes da história do paciente e os achados do exames subsidiários.
Conheça um pouco da anatomia da coluna vertebral
O raciocínio médico sobre o tratamento envolve um amplo conhecimento dos possíveis geradores de dor na coluna vertebral. As estruturas anatômicas da coluna têm potenciais implicações na dor que o paciente refere. Esta é uma área de constante debate e pesquisa entre os médicos, explica as inúmeras modalidades de tratamento possíveis para o mesmo quadro em diferentes situações, e também justifica divergências nas indicações dos tratamentos pelos especialistas.
A coluna vertebral é constituída de unidades móveis conhecidas como vértebras. São elementos ósseos que se articulam através de um disco intervertebral e duas articulações zigoapofisárias. São mantidos alinhados por ligamentos e músculos, e movimentados entre si por músculos. As vértebras, bem como seus músculos e ligamentos, apresentam variações de forma adaptadas aos segmentos da coluna em que estão: são 7 vértebras que constituem a coluna cervical, 12 vértebras na coluna torácica ou dorsal, 5 vértebras na coluna lombar, 5 vértebras sacrais e 4 vértebras coccígeas. Normalmente a coluna vertebral vista de frente ou por trás (plano coronal) tem a forma de uma linha reta, e quanto vista de lado (perfil, plano sagital) tem curvaturas naturais (fisiológicas), a saber: as lordoses cervical e lombar, as cifoses dorsal e sacral.
A coluna vertebral tem como funções manter a postura ereta, permitir movimentos do tronco e do pescoço, e proteger estruturas neurais como a medula espinal, as raízes e os nervos espinais.
O disco intervertebral
O disco intervertebral articula uma vértebra à outra em sua porção anterior (corpo vertebral). É uma articulação sindesmótica constituída de uma região central (núcleo pulposo) com alta densidade de água e proteínas (colágeno, proteoglicanas), e uma região periférica constituída de um anel (ânulo) fibroso rico em colágeno. O disco permite a movimentação nos sentidos lateral (inclinações direita e esquerda), rotacional, anterior (flexão) e posterior (extensão) da coluna vertebral. Infecções, inflamações, tumores, traumatismos e o envelhecimento podem alterar a estrutura do disco intervertebral, gerando deformidades, prejuízo dos movimentos e dor. Uma consequência da perda da integridade anatômica e funcional do disco é o seu deslocamento, também conhecido por termos como protrusão, abaulamento e hérnia discal. Tais deslocamentos têm o potencial de comprimir estruturas neurais e produzir sinais e sintomas neurológicos (dor em trajetos de raízes e nervos, dor referida no segmento afetado da coluna, alterações de sensibilidade, alterações de movimentos e de reflexos). O tratamento da doença discal varia conforme sua causa, e pode abranger uso de medicações analgésicas, terapia física (fisioterapias motora e analgésica), acupuntura, infiltrações do disco (injeções de anestésicos e corticóides), IDET (terapia eletrotérmica intradiscal), IDEA (anuloplastia eletrotérmica intradiscal), nucleotomia, microdiscectomia (aberta ou endoscópica). A substituição por disco artificial (artroplastia discal), ou a artrodese (fixação) com uso de próteses (“cages”) está indicada nas situações onde se verifica instabilidade estrutural da coluna.
As articulações interfacetárias
Também conhecidas como articulações zigoapofisárias, são articulações sinoviais (compostas de cartilagem em suas superfícies, líquido sinovial e cápsula articular). Há duas delas na região posterior entre duas vértebras próximas, ao longo de toda a coluna vertebral. Têm a função de limitar os deslocamentos das vértebras nos movimentos de inclinação lateral, de rotação e deslizamento horizontal.
Podem ser acometidas por eventos traumáticos (acidentes de alta energia), inflamações (artrites), tumores, infecções e o envelhecimento (degeneração das articulações). Normalmente geram dor localizada no segmento ou próximo aos segmentos acometidos (região cervical, torácica ou lombar), com um padrão de dor irradiada para ombros, cabeça ou costas (quando na coluna cervical), para nádegas e coxas (quando na coluna lombar).
Como de costume, o tratamento é voltado para a causa da lesão. As medicações analgésicas, a fisioterapia, a acupuntura têm papel importante no controle dos sintomas. Em situações mais graves ou persistentes, podem ser realizados bloqueios neurolíticos das articulações zigoapofisárias (injeções de anestésicos, corticóides ou agentes químicos lesivos nos nervos das articulações), injeções intra-articulares (com anestésicos ou corticóides), ou a lesão da inervação das articulações por radiofrequência (denervação facetária por radiofrequência). As artrodeses (fixações) com uso de instrumentação (próteses como parafusos, ganchos, hastes) também constituem importante arsenal terapêutico nas situações onde há franca instabilidade estrutural da coluna.
A musculatura paravertebral
Resumidamente, temos três grupos de músculos que movimentam ou estabilizam as vértebras ao longo de toda a coluna vertebral. Em cada região da coluna apresentam peculiaridades e adaptações às suas funções. São importantes para assumirmos a postura ereta (em pé) e para os movimentos da cabeça e do tronco (tórax e abdome), mantêm o alinhamento da coluna e a protegem de movimentos com energia e amplitude potencialmente lesivos aos seus elementos anatômicos.
Quando lesionados ou acometidos por doenças, são fonte de dor localizada ao longo da coluna vertebral, com “travamentos” (dificuldade de movimentar um determinado segmento da coluna). São a causa mais frequente de dor referida na coluna, e potencialmente tratável com analgésicos (anti-inflamatórios, opióides) e com medidas físicas (repouso temporário, calor local, TENS, infravermelho, ultrassom, ondas curtas, alongamentos, fisioterapia). Situações em que o controle da dor e a melhora das funções sejam insuficientes com as medidas iniciais, podem-se indicar bloqueios de pontos-gatilhos musculares (com anestésicos e corticóides), acupuntura e uso de medicações antidepressivas e miorrelaxantes.
Dr. Guilherme Corsaletti Gregório
CRM: 97.550 / RQE: 33.697